quinta-feira, 1 de março de 2012

EM JESUS A LEI E A PROFECIA ENCONTRAM SUA PLENA REALIZAÇÃO


HOMILIA II Dom. Quaresma B-Transfiguração do Senhor
Pe. Erivaldo Gomes
eri_gomesseminarista@yahoo.com.br

O grande convite à conversão que a quaresma nos faz é, na verdade, um apelo a caminharmos com Cristo seguindo os seus passos. No evangelho da semana passada o espírito nos levou ao deserto com Jesus para ser tentados e com Ele sairmos vencedores. Nossa caminhada pelo deserto continua e as tentações ainda são uma constante em nossa vida. Hoje chegamos ao monte da transfiguração e aí há a tentação do egoísmo, que manifesta-se na atitude de Pedro de esquecer-se dos colegas e querer ficar ali contemplando o Cristo glorificado. Não se pode chegar ao glorificado sem o acontecimento da cruz.
Os sinais sensíveis que a cena do evangelho (Mc 9,2-10) apresenta nos coloca imediatamente diante de uma teofânia, ou seja, uma manifestação gloriosa de Deus. Marcos continua seu propósito de ajudar-nos a responder à pergunta sobre quem é Jesus. As figuras de Moisés e Elias indicam que em Jesus está a plenitude de toda a lei e de todas as profecias. Ele é portanto o Filho amado.
O Prefácio da Transfiguração indica o rico conteúdo deste acontecimento: “tendo predito aos discípulos a própria morte, Jesus lhes mostra, na montanha sagrada, todo o seu esplendor. E com o testemunho da lei e dos profetas, simbolizados em Moisés e Elias, nos ensina que, pela paixão e cruz, chegará à glória da ressurreição”.
1-As severas palavras de Jesus sobre o caminho doloroso do calvário provocou nos discípulos uma desilusão. Deixaram tudo para seguir aquele homem e agora se vêem frente a um acontecimento difícil de enfrentar, incerto e doloroso: a cruz. Jesus precisava fazer algo para reanimá-los, toma então consigo alguns de seus discípulos e os leva ao mais alto do monte para uma experiência extraordinária: a transfiguração. A cruz faz parte do caminho do discípulo, mas não é a realidade ultima, o fim é a ressurreição. Jesus mostra-lhes a recompensa, mas não elimina o madeiro da cruz de seu caminho nem do caminho dos discípulos: “quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”.
·         No dia a dia de nossa vida, em que a cruz se torna pesada demais, somos chamados a subir ao monte da transfiguração com Jesus e alimentarmos nossa fé, nossa esperança, para assim podermos voltar com mais forças para carregarmos as cruzes que diariamente a vida coloca sobre nós.
Recordo uma oração da manhã rezada por mim vésperas à ordenação sacerdotal que foi no dia 18 de dezembro de 2011. Naquela manhã dizia a Deus:
Um dia Deus me chamou e comecei a fazer a experiência do seguimento.
Ao longo do caminho Ele levou-me a dois belos montes:
O Tabor, para dizer-me que é gostoso ser padre, é bom, etc...
E ao Calvário, mostrando-me as dificuldades do ministério, as dores e angustias...
E perguntava-me: quer continuar ou quer parar?
E eu disse: quero continuar!
Senhor Jesus, faça que eu busque na Tabor as forças necessárias para enfrentar o calvário.
Que este pobre servo possa pautar seu sacerdócio não só nas grandezas e belezas que ele proporciona, mas que eu seja fiel e forte para carregar a cruz e nela morrer em meu calvário, se preciso for, pelos meus irmãos, como um bom pastor!
Amém!
2-Este evangelho mostra-nos como é bom estar na presença de Deus. Como é bom viver em uma comunidade que nos faça experimentar Deus. Quando muitas de nossas comunidades enfraquecem eu me pergunto o motivo e as vezes descubro que é por que não estavam levando as pessoas a um relacionamento profundo com Deus. “Mestre, é bom ficarmos aqui”, diz Pedro. A comunidade deve ser esse lugar em que sentimos que a presença de Deus é tão forte que não queremos mais ir embora. Deve ser este subir à montanha para contemplar o Cristo transfigurado na Eucaristia.
·         Sou alguém de fé, por isso mesmo estou aqui na Igreja ouvindo estas palavras. Já fiz alguma experiência forte de Deus? A experiência de Deus que faço semanalmente na minha comunidade me fortalece para enfrentar as dificuldades da vida? A minha comunidade é este lugar de experimentar Deus?
3-A idéia de Pedro de fazer tendas e ficarem ali foi maravilhosa, porém tiveram que descer a montanha e se defrontar com os problemas do dia a dia, tomar novamente a cruz e continuar carregando-a.
·         Estas experiências fortes de Deus não duram para sempre. Será plena somente quando estivermos no paraíso, contemplando Deus face a face. Estamos no mundo e temos que viver neste mundo. Não podemos ficar somente no “monte da transfiguração” como alguns querem. Precisamos ter a coragem de descer a montanha e viver na planície do nosso quotidiano sendo testemunho de Deus.
4-Jesus os proíbe de partilhar com os outros o que viram. Somente a partir da ressurreição do Senhor teriam uma visão correta do que aconteceu. Saberiam que é impossível chegar à glória sem atravessar a cruz.
·         Caros irmãos, não podemos queimar etapas em nossa vida. Pode ser que ainda não somos capazes de entender e principalmente aceitar alguns mistérios da nossa vida, mas são inevitáveis, como por exemplo a doença, é o que nos diz a Campanha da Fraternidade este ano. Acreditemos que tudo na vida tem um propósito. Uma das cruzes que inevitavelmente temos que carregar é a doença que cedo ou tarde baterá à nossa porta.
5- A revelação continua: “este é o meu Filho amado, escutai o que ele diz”. Repete-se assim o que aconteceu no Seu batismo: o Eterno Pai testemunhando a natureza do Filho, a Palavra feita carne que deveria ser acatada por todos.
·         Escutar é mais do que ouvir, é ouvir com os ouvidos, deixar passar pela mente e guardar no coração, é isso que a liturgia da transfiguração quer produzir em nós: uma atitude de escuta do filho da Deus. Quanta coisa Jesus nos diz, o que Ele nos diz é o que Deus nos diz e nós sabemos o que Deus nos diz, mas pouco damos atenção. Ouvimos mas não escutamos. Mesmo tendo olhos e ouvidos, somos cegos e surdos.
6-No batismo somos transfigurados em Cristo. Somos revestidos desta veste brilhante que revestiu o ressuscitado. Temos em nós sementes desta transfiguração. Precisamos ter cuidado para não manchar estas vestes. Já temos a mancha original do pecado, não deixemos que os pecados individuais tirem de nós esta “feição cristã” que nos é tão cara.
·         Em nossa vida temos que nos esforçar quotidianamente para vivermos nossa vocação universal à santidade. Ser santo deve ser a meta de cada um de nós.
7-Quando falamos em fé, automaticamente nos remetemos a nosso pai Abraão. Ele foi obediente a Deus em tudo. Mas que Deus injusto é esse que pede de Abraão um sacrifício tão grande? Será que ao levar seu filho para ser sacrificado Abraão estava de fato seguindo a voz de Deus ou seguindo a cultura de seus conterrâneos de sacrificar aos ídolos os primogênitos? De todo jeito, ele entende isso como um pedido de Deus e em nome da obediência está disposta a fazê-lo. Agora vem o grande mérito de Abraão: percebe que Deus não quer a morte, mas a vida. A grande gesto de obediência de Abraão a Deus não foi de levar Isaac para o sacrifício, mas de ouvir a voz de Deus e não sacrificar aquele filho que já era um milagre em sua vida. Sarai sua mulher era estéril e de idade avançada quando deu a luz. Deus não quer a morte dos homens, mas a vida.
Nesta leitura temos uma prefiguração do que Deus pretende fazer com Jesus Cristo, Seu Primogênito. Deus impede que Abraão sacrifique seu filho, mas ao Seu único filho ele não livra da Cruz. Este é o sacrifício que realmente redime o homem de seus pecados.
·         Seremos transfigurados à medida que como Abraão, deixarmos que a Palavra de Deus nos guie. Jesus quer nos levar a fazer esta experiência gostosa de estar com ele. Precisamos permitir que Ele nos transfigure, que Ele transforme nosso rosto marcado pelo pecado em um rosto marcado pela contemplação do Seu mistério. Seremos transfigurados à medida que vivermos como de fato somos: à imagem e semelhança de Deus.

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